Numa das minhas viagens pelo interior da ilha, um homem de média idade, com traças visíveis de uma vida dorida e de luta entrou na sala onde eu estava atendendo um grupo de pacientes que o jovem médico tinha previamente triado.
Depois de o ter nominalmente identificado, constatei que o nome dele não figurava na lista que me tinha sido fornecida. Concluí que se tratava de um individuo de um outro grupo, geralmente seguido no Serviço onde eu trabalhava e que, sempre que por lá aparecia, aproveitava para, entre coisas, renovar a receita ou ar uma pequena fala.
A minha pergunta confirmou-lhe que já não me recordava dele, embora, muito estranhamente, tinha uma vaga ideia daquela fisionomia, ao fim e ao cabo tão parecida com centenas, senão milhares de outras, que as dificuldades da vida foram moldando através do tempo. Só que a minha inquirição apesar do disfarçado esforço de simpatia, tirou-lhe todas as dúvidas.
Algo constrangido, mas com a simplicidade de camponês sorriu sem grande preocupação e disse-me pousadamente: “ Eis o homem que quis matar-se por causa de um dia de trabalho!”
Numa fracção de segundo, vi aquele homem trazido pela esposa, silencioso, cabisbaixo e que continuava sempre com a cabeça curvada entre as duas mãos. A companheira tinha dito que era trabalhador, batalhador até, pai de - já não me lembro bem – de uns seis ou sete filhos.
Conversa puxando conversa, lá fiquei sabendo que, sem razão nenhuma o marido tinha deixado de comer e dormir, mas naquele dia – sem se saber porquê – tinha pulado uma rocha. Soube também que conhecera o homem desde a mocidade já tinham uma vida comum de quase vinte anos sem que nunca tivesse reparado nada de estranho nele. Insistindo um pouco, ela pediu a minha compreensão e reconheceu que “ não a procurava nos últimos três meses”, sem ver nisso qualquer problema. Já um pouco mais solta, revelou que por vezes o considerava “ um pouco brejeiro”. Os contactos regulares foram estabelecidos e pouco a pouco o homem foi soltando as suas dores até que, já razoavelmente restabelecido, contou-me que decidira por termo á vida porque naquela quinzena – considerava – ter sido defraudado de um dia de trabalho. Foi a primeira vez que o ví sorrir. Ainda voltou mais vezes e, salvo o erro até a alta.
Quando soube na missa dominical que eu estaria no concelho decidiu, então, “perder um dia de trabalho só para uma mantenha”. Enfim, queria que eu me lembrasse do homem que quis matar-se por causa de um dia de trabalho. Entregou-me uma sacola, contendo alguns produtos da terra. Vendo o seu ar “brejeiro”, dei uma gargalhada à qual ele correspondeu ruidosamente. Tempo de Loucura!
Depois de o ter nominalmente identificado, constatei que o nome dele não figurava na lista que me tinha sido fornecida. Concluí que se tratava de um individuo de um outro grupo, geralmente seguido no Serviço onde eu trabalhava e que, sempre que por lá aparecia, aproveitava para, entre coisas, renovar a receita ou ar uma pequena fala.
A minha pergunta confirmou-lhe que já não me recordava dele, embora, muito estranhamente, tinha uma vaga ideia daquela fisionomia, ao fim e ao cabo tão parecida com centenas, senão milhares de outras, que as dificuldades da vida foram moldando através do tempo. Só que a minha inquirição apesar do disfarçado esforço de simpatia, tirou-lhe todas as dúvidas.
Algo constrangido, mas com a simplicidade de camponês sorriu sem grande preocupação e disse-me pousadamente: “ Eis o homem que quis matar-se por causa de um dia de trabalho!”
Numa fracção de segundo, vi aquele homem trazido pela esposa, silencioso, cabisbaixo e que continuava sempre com a cabeça curvada entre as duas mãos. A companheira tinha dito que era trabalhador, batalhador até, pai de - já não me lembro bem – de uns seis ou sete filhos.
Conversa puxando conversa, lá fiquei sabendo que, sem razão nenhuma o marido tinha deixado de comer e dormir, mas naquele dia – sem se saber porquê – tinha pulado uma rocha. Soube também que conhecera o homem desde a mocidade já tinham uma vida comum de quase vinte anos sem que nunca tivesse reparado nada de estranho nele. Insistindo um pouco, ela pediu a minha compreensão e reconheceu que “ não a procurava nos últimos três meses”, sem ver nisso qualquer problema. Já um pouco mais solta, revelou que por vezes o considerava “ um pouco brejeiro”. Os contactos regulares foram estabelecidos e pouco a pouco o homem foi soltando as suas dores até que, já razoavelmente restabelecido, contou-me que decidira por termo á vida porque naquela quinzena – considerava – ter sido defraudado de um dia de trabalho. Foi a primeira vez que o ví sorrir. Ainda voltou mais vezes e, salvo o erro até a alta.
Quando soube na missa dominical que eu estaria no concelho decidiu, então, “perder um dia de trabalho só para uma mantenha”. Enfim, queria que eu me lembrasse do homem que quis matar-se por causa de um dia de trabalho. Entregou-me uma sacola, contendo alguns produtos da terra. Vendo o seu ar “brejeiro”, dei uma gargalhada à qual ele correspondeu ruidosamente. Tempo de Loucura!
-Dr. Daniel Silves Ferreira
- Psiquiatra -