O homem tinha tesouras, talhadeiras e serras que cortavam metal. Possuía também uma língua fiada que lanceava o coração do apóstolo Paulo (II Tim. 4:14).
Frustram-se esforços para identificar este artífice, pois achamos no Novo Testamento cinco referências a Alexandre. Alguns opinam que se trata de apensas duas, não mais de três pessoas, em várias situações distintas; o latoeiro como teólogo amador, o latoeiro como pregador leigo, o latoeiro como agitador duma congregação, bem como um outro Alexandre de perfil simpático, pois carregou a cruz do Nosso Senhor (Marcos 15:51).
Podemos argumentar: de que nos serve remover a poeira da história para encontrar ossadas dum dissidente, se ainda temos alguns entre nós? Por mais incómodo que o assunto seja para os que prefeririam usar o tempo na busca de novas alturas espirituais, o Latoeiro de Éfeso ainda martela o tema de conflitos na Igreja. Alexandre legou-nos, apesar de tudo, alguns ensejos construtivos: forçou-nos a encarar a realidade desse conflito, a nossa posição nele, a inventariar danos e a ponderar o tratamento a dar-se a agitadores, críticos e dissidentes militantes.
Neste caso, Paulo optou por marcá-los e isolá-los. Advertiu a Timóteo”Tu guarda-te dele” (II Tim. 4:15). Preferiu, também, sujeitá-los à justiça divina: “… o Senhor lhe pague segundo as suas obras”. Mas este comportamento do Apóstolo não é consistente ao longo do seu ministério. Encontramo-lo também em confrontação explosiva: “Ó filhos do Diabo, cheio de todo o engano e de toda malícia, inimigo de toda justiça, não cessarás de perturbar os rectos caminhos do Senhor?” Aqui, foi o próprio Paulo a pronunciar o castigo: “Ficarás cego, sem ver o sol por algum tempo” (Actos 13:10 e 11).
Hoje a coisa dava processo por difamação, injúrias e danos. Litígios em tribunais à volta do mundo, envolvendo igrejas, atestam que a liberdade de confrontar agitadores se acha rigorosamente condicionada a direitos e privilégios legais de cada pessoa. E a febre da “democratização” conferiu a qualquer direitos de proclamar todo tipo de aberrações e emplastrar paredes com gritos de preferência pessoal e críticas a outrem.
Profetas, apóstolos e reformadores acharam-se amiúde encarcerados. Este método de argumentar assumido pelo temporalmente mais forte é ainda seguido por governos e partidos incomodados por mensageiros da Igreja. Revela, também, a fibra dos acusados: “Mais importa obedecer a Deus do que aos homens” (Actos 5:9). Lutero havia de ecoar a mesma determinação: “Aqui estou. Ajude-me o Senhor. Não quero nem posso retractar-me”.
O comportamento de Paulo assemelha-se um tanto ao do Senhor Jesus ante Seus detractores. Ora evita a confrontação e prefere fugir, ora parece ignorar a isca à polémica, ora desarma os eus atacantes com uma lógica impenetrável, ora brande o chicote e pontapeia mesas de oportunistas que fazem da Sua casa “covil de ladrões” (Marcos 11:15-17).
Temos, então, escolhas?
Talvez tão variadas como as circunstâncias. Há a considerar-se se a afronta é pessoal ou dirigida à causa de Deus que o agitador vê personificada em alguém; se ela é do tipo que pode ser diluída com a resposta branda de Provérbios (15:1); ou se estamos lidando com ouvidos selados à voz da razão (Actos 7:57); se “dar tempo ao tempo” amaina o conflito ou, em vez disso, gangrena a ferida; se, na perspectiva da eternidade, valem alguma coisa os louros duma vindicação imediata, em contraste com a decisão ora tida humilhante e cobarde de oferecer “a outra face” ou “andar a segunda milha”.
Mesmo em circunstâncias em que parecerá legítimo e até forçoso reagir, temos de responder a uma pergunta ou outra germinada da consciência: “Haverá qualquer indício de verdade no argumento do conflituoso? Na precipitação de me defender, estarei camuflando ou minimizando falhas dignas de reparo?” E, se a ofensa é dirigida a Deus e à Sua Igreja, devo ainda ponderar: “Quem me nomeou defensor dos Deus? Precisa Ele da minha ajuda para se proteger de alguém...ou, como o discípulo de ontem, estarei brandindo espadas imperitas que só cortam orelhas e deixam a língua em disparada?”…(Mateus 26:51).
Alguns conflitos escalam ao ponto de crise porque ignoramos diferenças sócio-culturais, limitações e desgastes físicos, ou caímos na ratoeira de “espiritualizar” divergências de opinião e gosto. Presumimos que a celebrada união dos crentes deverá incluir uma universalidade de ideias e de escolhas, suprimindo qualquer defesa mais apaixonada de algo que preferimos. Todos temos ouvido de congregações desavindas por causa de traçado, do mobiliário ou da decoração dum novo templo, da versão bíblica usada do púlpito ou do estilo administrativo do pastor. “Grupinhos” então formados armam a sua causa, desenvolvem até uma teologia do conflito escudada na própria Bíblia. Ficamos a cismar que farão esses recitadores das Escrituras ao chegarem a Tiago 4:1 – “Donde vêem as guerras e pelejas entre vós? Porventura não vêem disto, a saber, dos vossos deleites, que nos vossos membros guerreiam?” Esse motim interno tende a transbordar, agitando em muitos casos a congregação inteira.
A obra de tem sobrevivido a todos os seus atacantes. É que mesmo as portas do inferno não prevalecerão contra a Igreja do Senhor (Mateus 16:18). Se nos vemos impossibilitados, como Paulo, de neutralizar opositores militantes, fiquemos certos de nunca afiliar-nos a tais grupos. Por mais severos danos que nos causem, a si próprios infligem o maior. Paulo julgara-se vítima de prejuízos devastadores: “Causou-me muito dano”. Mas coisa estranha aconteceu. Em vez de fragmentar a vida do Apóstolo, a tesoura de Alexandre cortou para sempre a reputação do homem que a empunhava com tanta perícia. Paulo vive, íntegro, nos púlpitos do mundo. O Latoeiro de Éfeso? Se tivéssemos uma epístola de Timóteo a Paulo, escrita uns vinte anos após o doloroso incidente, ela talvez dissesse: “ A propósito, lembra-se do Latoeiro de Éfeso? Enferrujou.”
- Dr. Jorge de Barros –
Frustram-se esforços para identificar este artífice, pois achamos no Novo Testamento cinco referências a Alexandre. Alguns opinam que se trata de apensas duas, não mais de três pessoas, em várias situações distintas; o latoeiro como teólogo amador, o latoeiro como pregador leigo, o latoeiro como agitador duma congregação, bem como um outro Alexandre de perfil simpático, pois carregou a cruz do Nosso Senhor (Marcos 15:51).
Podemos argumentar: de que nos serve remover a poeira da história para encontrar ossadas dum dissidente, se ainda temos alguns entre nós? Por mais incómodo que o assunto seja para os que prefeririam usar o tempo na busca de novas alturas espirituais, o Latoeiro de Éfeso ainda martela o tema de conflitos na Igreja. Alexandre legou-nos, apesar de tudo, alguns ensejos construtivos: forçou-nos a encarar a realidade desse conflito, a nossa posição nele, a inventariar danos e a ponderar o tratamento a dar-se a agitadores, críticos e dissidentes militantes.
Neste caso, Paulo optou por marcá-los e isolá-los. Advertiu a Timóteo”Tu guarda-te dele” (II Tim. 4:15). Preferiu, também, sujeitá-los à justiça divina: “… o Senhor lhe pague segundo as suas obras”. Mas este comportamento do Apóstolo não é consistente ao longo do seu ministério. Encontramo-lo também em confrontação explosiva: “Ó filhos do Diabo, cheio de todo o engano e de toda malícia, inimigo de toda justiça, não cessarás de perturbar os rectos caminhos do Senhor?” Aqui, foi o próprio Paulo a pronunciar o castigo: “Ficarás cego, sem ver o sol por algum tempo” (Actos 13:10 e 11).
Hoje a coisa dava processo por difamação, injúrias e danos. Litígios em tribunais à volta do mundo, envolvendo igrejas, atestam que a liberdade de confrontar agitadores se acha rigorosamente condicionada a direitos e privilégios legais de cada pessoa. E a febre da “democratização” conferiu a qualquer direitos de proclamar todo tipo de aberrações e emplastrar paredes com gritos de preferência pessoal e críticas a outrem.
Profetas, apóstolos e reformadores acharam-se amiúde encarcerados. Este método de argumentar assumido pelo temporalmente mais forte é ainda seguido por governos e partidos incomodados por mensageiros da Igreja. Revela, também, a fibra dos acusados: “Mais importa obedecer a Deus do que aos homens” (Actos 5:9). Lutero havia de ecoar a mesma determinação: “Aqui estou. Ajude-me o Senhor. Não quero nem posso retractar-me”.
O comportamento de Paulo assemelha-se um tanto ao do Senhor Jesus ante Seus detractores. Ora evita a confrontação e prefere fugir, ora parece ignorar a isca à polémica, ora desarma os eus atacantes com uma lógica impenetrável, ora brande o chicote e pontapeia mesas de oportunistas que fazem da Sua casa “covil de ladrões” (Marcos 11:15-17).
Temos, então, escolhas?
Talvez tão variadas como as circunstâncias. Há a considerar-se se a afronta é pessoal ou dirigida à causa de Deus que o agitador vê personificada em alguém; se ela é do tipo que pode ser diluída com a resposta branda de Provérbios (15:1); ou se estamos lidando com ouvidos selados à voz da razão (Actos 7:57); se “dar tempo ao tempo” amaina o conflito ou, em vez disso, gangrena a ferida; se, na perspectiva da eternidade, valem alguma coisa os louros duma vindicação imediata, em contraste com a decisão ora tida humilhante e cobarde de oferecer “a outra face” ou “andar a segunda milha”.
Mesmo em circunstâncias em que parecerá legítimo e até forçoso reagir, temos de responder a uma pergunta ou outra germinada da consciência: “Haverá qualquer indício de verdade no argumento do conflituoso? Na precipitação de me defender, estarei camuflando ou minimizando falhas dignas de reparo?” E, se a ofensa é dirigida a Deus e à Sua Igreja, devo ainda ponderar: “Quem me nomeou defensor dos Deus? Precisa Ele da minha ajuda para se proteger de alguém...ou, como o discípulo de ontem, estarei brandindo espadas imperitas que só cortam orelhas e deixam a língua em disparada?”…(Mateus 26:51).
Alguns conflitos escalam ao ponto de crise porque ignoramos diferenças sócio-culturais, limitações e desgastes físicos, ou caímos na ratoeira de “espiritualizar” divergências de opinião e gosto. Presumimos que a celebrada união dos crentes deverá incluir uma universalidade de ideias e de escolhas, suprimindo qualquer defesa mais apaixonada de algo que preferimos. Todos temos ouvido de congregações desavindas por causa de traçado, do mobiliário ou da decoração dum novo templo, da versão bíblica usada do púlpito ou do estilo administrativo do pastor. “Grupinhos” então formados armam a sua causa, desenvolvem até uma teologia do conflito escudada na própria Bíblia. Ficamos a cismar que farão esses recitadores das Escrituras ao chegarem a Tiago 4:1 – “Donde vêem as guerras e pelejas entre vós? Porventura não vêem disto, a saber, dos vossos deleites, que nos vossos membros guerreiam?” Esse motim interno tende a transbordar, agitando em muitos casos a congregação inteira.
A obra de tem sobrevivido a todos os seus atacantes. É que mesmo as portas do inferno não prevalecerão contra a Igreja do Senhor (Mateus 16:18). Se nos vemos impossibilitados, como Paulo, de neutralizar opositores militantes, fiquemos certos de nunca afiliar-nos a tais grupos. Por mais severos danos que nos causem, a si próprios infligem o maior. Paulo julgara-se vítima de prejuízos devastadores: “Causou-me muito dano”. Mas coisa estranha aconteceu. Em vez de fragmentar a vida do Apóstolo, a tesoura de Alexandre cortou para sempre a reputação do homem que a empunhava com tanta perícia. Paulo vive, íntegro, nos púlpitos do mundo. O Latoeiro de Éfeso? Se tivéssemos uma epístola de Timóteo a Paulo, escrita uns vinte anos após o doloroso incidente, ela talvez dissesse: “ A propósito, lembra-se do Latoeiro de Éfeso? Enferrujou.”
- Dr. Jorge de Barros –