"...Estou a fazer uma grande obra, de modo que não poderei descer; por que cessaria esta obra, enquanto eu a deixasse e fosse ter convosco?" Neemias 6:3
quinta-feira, 24 de abril de 2008
Tempo de Loucura
Como acontecia duas vezes por semana, ele chegou, pontual, para mais uma sessão de cinquenta minutos, da qual sempre se queixava.
Deu-me um aperto de mão, sentou-se e, de imediato começou a falar.
Eram, quase sempre frases soltas, dita em tom de récita, que ele afirmava que eu podia entender. Aliás, nos momentos de grande resistência dizia sempre que eu conhecia a vida dele “de trás para a frente e de frente para trás”.
Era coisa de louco! Não tinha como tirar aquelas ideias da cabeça! Três medos absurdos que não resistem a qualquer lógica e que infernizavam a vida dele. Definiu-os em poucas palavras e esboçou uma crítica.
Não há dúvida que a mente é complexa e poderosa, mas, há coisas que só acontecem aos menos fortes. Bem vistas as coisas, não era tão fraco assim! Porém, a sua história e a associação livre facilmente permitiam entender o que ele queria dizer.
Continuava falando como tinha começado e eu, quedo, lá ía escutando. Uma vida de loucura! Uma vida girando à volta do medo, de três medos!
Notei que ele queria fugir daquele passado tão próximo quando se pôs a divagar. Mas, sorrateiramente lá ia ele de novo ao que lhe vinha espontaneamente à mente.
Repetiu sumariamente as circunstâncias em que os sintomas se manifestaram, o percurso feito até chegar ao atendimento.
Então, fez uma pausa e mudando bruscamente de tom, atacou: É tudo muito louco! Vir aqui e estar a falar de tudo e de nada, despir-se, mostrar toda nudez, escutar colocações loucas de um modelo também louco, achar que é tudo uma loucura… não deixar de vir.
Sorriu e algo conciliador, como que procurando gratificação, rematou: Louco, mas está funcionando.
Um pouco sem jeito, ele rodou o pulso que não tinha relógio e disse-me: são horas! Calmamente, olhei para o meu e confirmei com um simples movimento da cabeça.
Levantou-se, estendeu-me a mão e, enrubescido, saiu sem ter uma resposta que não desejava nem eu podia dar. Tinha acabado o nosso tempo. Tempo de Loucura!
- Dr. Daniel Silves Ferreira –
Psiquiatra