sábado, 2 de agosto de 2008

Betinho Di Nha Nanay

Há dias, vi a fotografia da Ponte velha de Vila-Nova, num dia chuvoso, quando as águas passavam por baixo a caminho da Praia Negra. Senti saudades daquela ponte que foi inaugurada no ano em que nasci e onde centenas de vezes, assentei-me juntamente com amigos de infância para aquela “cavaqueira” que nunca terminava. Dizem os mais velhos que numa das fotografias da referida ponte, eu apareço na janela da casa da minha avó, que distava poucos metros. As saudades aumentaram. Saudades da terra. Saudades de Vila-Nova onde nasci e cresci. Saudades dos meus familiares. Saudades de amigos, de colegas, condiscípulos de escola e do próprio ambiente. Lembrei-me de algumas “historietas” da minha infância. e prometi a mim mesmo voltar ao meu “mundinho” logo que possível.
Envolto nestes pensamentos nostálgicos, repentinamente me veio à mente a imagem de um colega que por mais de trinta anos não me lembrava e não creio ter falado dele com ninguém. Não senti medo como naquela noite da sua partida.
Tinha ele onze (11) anos e eu menos três ou quatro. Colegas da escola primária (quando ele ia, pois não gostava muito) mas mais ainda do terreiro do futebol que nós os dois gostávamos em demasia.
Nunca reparara nele algum sinal de doença; não sei se pela tenra idade minha ou então porque simplesmente tudo aconteceu de repente.
O que me lembro e bem, é que passava muito mais tempo a jogar a bola do que a fazer qualquer outra coisa, incluindo a frequência às classes.
Eu, na minha hora de brincadeira, ajuntava-me a ele e a demais colegas e jogávamos. Ele muito mais robusto e eu com um pouco mais de técnica para a prática do futebol. Ele gostava que eu fizesse parte da sua equipa. De vez em quando éramos rivais no campo, mas nunca houve briga entre nós, coisa tão normal daquele tempo que já não volta mais.
Numa tarde quente, normal na minha terra Santiago, e mais propriamente no meu querido bairro Vila-Nova, tudo mudou quando chegou aos ouvidos de toda a meninada que Betinho di Nha Nanay ou melhor Lobo, tinha sido internado no hospital da Praia com febre alta e com sinais de hepatite.
Na manhã seguinte, a notícia foi mais trágica – Lobo dja morri – Lobo morreu. Não recordo como foi a minha reacção naquele dia/momento. Só sei que não houve classe naquele dia, pois ele morava a poucos metros da nossa escola. Neste aspecto (katém skola) talvez tenha ficado “contente” e possivelmente toda a camaradagem também.
A azáfama foi grande quando o corpo do Lobo chegou à casa para a última despedida. Os pais dele, não os vi, e nunca soube quem eram. Lobo vivia com Nha Nanay, presumível avó, que nós a garotada não gostávamos pois sempre que a bola chegava à sua porta, significava automaticamente fim do jogo. Naquele dia, ninguém deu importância à bola, e nem lembramos que Nha Nanay tinha fama de feiticeira.
A invasão à casinha onde apenas ela e o Lobo moravam, foi grande. Não havia lugar para todos. Houve até disputa de quem transportava o caixão. Naquele tempo, o esquife era normalmente levado à mão pelos colegas do defunto até a última morada – Cemitério da Várzea.
Depois daquele dia, como referi acima, por incrível que pareça, nunca mais lembrei-me do Betinho - Lobo e, nem tão pouco falei dele com quem quer que seja.
Trinta e tal anos depois, me veio à mente que o enterro do Lobo foi o primeiro cortejo fúnebre que acompanhei. Lobo realmente teve vida curta. Onze anos apenas. Perguntei a mim mesmo: Será destino? Não sei. Se sim, então a conclusão é que é impossível a quem quer que seja fugir do seu próprio destino.

Delfin Andrade Silves Ferreira