Crianças, andávamos em verdadeiro reboliço por causa do período de festas que se vivia. Em grupo, preparávamos tranquilamente os nossos “instrumentos” preciosos para a cata de alguns tostões logo depois do pôr do sol. As pessoas deveriam ser generosas.
Dos camiões vindos do interior desembarcavam homens, mulheres, famílias inteiras para as festas do fim do ano.
Chegavam notícias estranhas, macabras, de localidades não muito distantes e dos subúrbios da cidade. Homens esfaqueados em brigas fúteis, a nova arma daquela mulher que aproveitara o sono do companheiro para lhe derramar gordura de porco fervente no ouvido, de modo a derreter-lhe os miolos, homens embriagados gritando nas ruas, e já na vizinhança as crises incompreensíveis da jovem donzela que, se dizia, estar possuída de espíritos do outro mundo.
No portal da casa, o velho, apontando a muleta, que sempre lhe conhecemos, para o interior, anunciava o fim do mundo para aqueles dias.
No seu dizer, o fim dos tempos, só dependia dele, mas as constantes advertências não pareciam merecer a curiosidade dos transeuntes.
Dizia que os tempos estavam atribulados, estávamos todos perdidos e, pior, ninguém poderia saber o paradeiro dos seus quando tudo acontecesse.
Então, nada melhor do que ter um sinal facilmente identificável, garantia de um reencontro com os parentes no mundo prestes a chegar.
A advertência agora mais ameaçadora, fez-nos temer o nosso futuro.
Apesar da perna amputada e, (talvez) por causa das suas muletas, as palavras dele eram autoridade para nós.
Repetindo energicamente o nome da velha imobilizada na cama desde que partira os ossos da coxa acima, deu dois passos em frente e dois à esquerda. Estava na presença da anciã. Segurou o lóbulo de uma das orelhas, tirou uma faca afiada da algibeira e agora com alguma pausa martelava:
- Fu-la-na, Fulana de Beltrana. É preciso que te ponha um sinal na orelha para que saibam que és Fu-la-na, Fulana de Beltrana.
A voz roufenha da velha fez-se ouvir e valeu a presteza de um neto, então no serviço militar, que não nos apercebemos como lá apareceu.
O velho, outrora tão simpático, foi então levado para onde não sabíamos, aos berros acerca dos sinais, do fim dos tempos. Tempo de loucura!
- Daniel Silves Ferreira –
- Psiquiatra -
Dos camiões vindos do interior desembarcavam homens, mulheres, famílias inteiras para as festas do fim do ano.
Chegavam notícias estranhas, macabras, de localidades não muito distantes e dos subúrbios da cidade. Homens esfaqueados em brigas fúteis, a nova arma daquela mulher que aproveitara o sono do companheiro para lhe derramar gordura de porco fervente no ouvido, de modo a derreter-lhe os miolos, homens embriagados gritando nas ruas, e já na vizinhança as crises incompreensíveis da jovem donzela que, se dizia, estar possuída de espíritos do outro mundo.
No portal da casa, o velho, apontando a muleta, que sempre lhe conhecemos, para o interior, anunciava o fim do mundo para aqueles dias.
No seu dizer, o fim dos tempos, só dependia dele, mas as constantes advertências não pareciam merecer a curiosidade dos transeuntes.
Dizia que os tempos estavam atribulados, estávamos todos perdidos e, pior, ninguém poderia saber o paradeiro dos seus quando tudo acontecesse.
Então, nada melhor do que ter um sinal facilmente identificável, garantia de um reencontro com os parentes no mundo prestes a chegar.
A advertência agora mais ameaçadora, fez-nos temer o nosso futuro.
Apesar da perna amputada e, (talvez) por causa das suas muletas, as palavras dele eram autoridade para nós.
Repetindo energicamente o nome da velha imobilizada na cama desde que partira os ossos da coxa acima, deu dois passos em frente e dois à esquerda. Estava na presença da anciã. Segurou o lóbulo de uma das orelhas, tirou uma faca afiada da algibeira e agora com alguma pausa martelava:
- Fu-la-na, Fulana de Beltrana. É preciso que te ponha um sinal na orelha para que saibam que és Fu-la-na, Fulana de Beltrana.
A voz roufenha da velha fez-se ouvir e valeu a presteza de um neto, então no serviço militar, que não nos apercebemos como lá apareceu.
O velho, outrora tão simpático, foi então levado para onde não sabíamos, aos berros acerca dos sinais, do fim dos tempos. Tempo de loucura!
- Daniel Silves Ferreira –
- Psiquiatra -