segunda-feira, 16 de junho de 2008

TEMPO DE LOUCURA

Não fosse a visível aflição da mulher, nada poderia dizer que ela estava à procura de um atendimento de urgência naquela circunstância pouco habitual.
Fiquei intrigado. Queria saber a razão e, muito rapidamente, fiz a minha apresentação rotineira.
Contudo, a preocupação dela, certamente devia ser outra, pois, que não pareceu dar nenhuma atenção à minha conversa.
Praticamente sem interregno, eu quis inquirir sobre o sucedido que a tinha levado a procurar-me para pedir ajuda.
- Não sou eu! É o meu filho que bebeu uns comprimidos e está a passar mal. Desaparece tudo por um tempo e subitamente recomeça.
Ela não sabia a natureza nem o número de comprimidos ingeridos mas teria sido na manhã daquele dia.
O médico no Banco de Urgências teria sugerido a minha avaliação e, não podendo ver o filho a sofrer tanto, quis ir pessoalmente procurar a pessoa que se lhe tinha indicado. Com efeito, naqueles dias, eu estava escalado para o serviço de urgências.
Foi só atravessar o pátio do hospital, de modo que não demorei a lá chegar. Fui encontrar o filho, o moço de 10 anos, razoavelmente bem constituído, extremamente ansioso, pescoço torto e esticado para trás, os músculos da cara tensos e repuxados, a boca aberta sem possibilidades de ser fechada, soltando uns grunhidos de dor.
Achei tudo muito estranho então, quis inteirar-me melhor do sucedido, se seria uma ingestão acidental ou intencional.
Depois de umas perguntas, soube que o miúdo queixava-se sempre de dores de cabeça, que geralmente cediam com comprimidos que a mãe comprava nas mercearias do bairro. Naquela manhã, na ausência dela ele teria ingerido uns comprimidos que o filho de uma vizinha lhe tinha oferecido.
Se já não havia dúvidas tudo ficou ainda mais claro quando me apercebi que a tal vizinha era seguida no Serviço de Psiquiatria.
Solicitei à enfermeira que administrasse um fármaco, o que foi feito prontamente.
Pouco depois, o menino já estava melhor, podia falar e, desenvolto, confirmou que tomou dois comprimidos que o colega e vizinho lhe dera.
Expliquei o que tinha acontecido, recomendei atenção para com os medicamentos e, com ar paternal, lembrei que os medicamentos devem ser sempre mantidos fora do alcance das crianças.
O tempo que levei para isso, a criança já estava melhor e a mãe, já mais tranquila. Perguntou-me, então, se era uma intoxicação e, sem esperar pela resposta, quis saber se ela iria durar mais tempo.
Tempo de Loucura!

Daniel Silves Ferreira
-Psiquiatra -